quinta-feira, 20 de outubro de 2016

Filosofia é importante sim

Eu só me pergunto o que será mais prioritário do que estimular as pessoas a pensar... 


Lá estava eu, folheando alguns livros que achei em uma caixinha de doação, quando me deparo com um livrinho pequeno de crônicas, da escritora, jornalista e poetisa gaúcha Martha Medeiros. Ai penso, a autora é ótima, mas "crônicas? putz que chato!"

Pois é, mas como sou uma pessoa curiosa, aceitei o desafio de no mínimo, ler uma crônica. E o estrago estava feito, não descansei enquanto não li todas as crônicas (cerca de 100). E, durante algumas viagens de ônibus de casa para o curso e do curso para casa, devorei cada letra, palavra, parágrafo, crônica. Como um mendigo ávido de fome.

Entre tantas crônicas maravilhosas, muitas sobre relacionamentos (recomendo as mulheres), uma das que mais me chamou atenção foi sobre algo que nos faz pensar. A filosofia.

A famosa escultura "O Pensador" do francês Auguste Rodin.


Eis a crônica (publicada em 2001, por isso a menção a FHC): 

Um projeto de lei recém aprovado pela Câmara propõe a volta das diciplinas de filosofia e sociologia ao currículo do Ensino Médio. Há rumores que o presidente Fernando Henrique Cardoso não sancionará o projeto, preocupado que está com medidas mais prioritárias. Eu só me pergunto o que será mais prioritário do que estimular as pessoas a pensar. 

Caetano Veloso diz em uma de suas músicas que está provado que  só é possível filosofar em alemão. Pudera. Nossa pátria, nossa língua, é escrita e falada por pessoas educadas pela televisão, que recebem tudo editado, traduzido e mastigado. Não há dúvidas de que nossos estudantes pensam: Se o coroa vai liberar o carro para o fim de semana, se a gata vai continuar fazendo jogo duro, se esse tal de Osama Bin Laden vai melar a viagem pra Califórnia. Pensam coisas sérias também. Pensam no futuro, pensam em realizar sonhos, pensam nos seus ideais. Mas pensam estimulados pela Fernanda Lima, pelo Luciano Huck e pelo Renato Russo. Pensam estimulados até por mim, que mantenho uma significativa quantidade de jovens leitores.

É pouco. Muito pouco. É bacana ter ídolos, mas Platão e Aristóteles, esses caras sem rosto e sem idade, que nunca empunharam um microfone, têm o poder de ampliar o campo de atuação dos neurônios. Dizem que a gente só utiliza 5% do cérebro. Filosofar é a puxação de ferro que nos possibilita aumentar esse índice. 

Qualquer ideia que permita maior rendimento escolar e melhor aproveitamento da vida precisa ser recebida com tapete vermelho. Quantas coisas idiotas aprendemos na escola que não nos servem pra nada? Que utilidade há em saber o símbolo químico do alumínio, a não ser para se dar bem no Show do Milhão? Filosofia é pensamento. Mais do que isso, liberdade. Mais ainda, descoberta. Definitivamente, evolução.

Pode parecer uma matéria cacete, daquelas que convidam para uma bela matada de aula. Mas não é. Pensamento é aula prática, praticável no dia-a-dia. Preenche mentes desocupadas (ou ocupadas com bobagens) de ideias consistentes, que levam a conclusões humanistas e libertárias. Fernando Henrique, como sociólogo de profissão e filósofo de ocasião, deveria assinar embaixo de uma vez. Parece um projeto aristocrático, mas é justamente o contrário. Estimular a pensar é política popular.

Martha Medeiros, Montanha Russa - Crônicas. L&PM Pocket. 2003.

PENSE. E tire suas próprias conclusões...